10/08/2018 às 05h00
Por Joice Bacelo | De São Paulo
O Metrô de São Paulo terá que pagar uma quantia extra, de cerca de R$ 10 milhões, ao consórcio responsável pelas obras da Linha 4-Amarela, que é formado pelas construtoras Tiisa e Comsa. Esse valor corresponde à retirada de material contaminado de um dos locais da construção – cujo o custo foi motivo de divergência entre as partes.
Uma equipe técnica contratada para solucionar os conflitos entre o Metrô e o consórcio, durante a execução do contrato, havia decidido pelo pagamento e, agora, o Tribunal de Justiça do Estado (TJ-SP) manteve a decisão.
Essa é a primeira vez que a Corte paulista analisa e se posiciona de forma favorável ao chamado “dispute board”, método para a resolução de conflitos no próprio canteiro de obras. As partes, ao fechar o contrato, escolhem uma equipe com três técnicos (geralmente dois engenheiros e um advogado), que é acionada toda vez que houver algum desentendimento.
A decisão tem caráter imediato e só perde a validade se as partes, de forma amigável, acordarem de forma diferente ou se o caso for levado ao Judiciário ou à arbitragem e um desses dois órgãos proferir entendimento contrário.
O objetivo é que a obra não seja paralisada em razão de conflitos que possam surgir entre o contratante e o contratado, evitando atraso no cronograma do projeto e impacto sobre o fluxo de caixa. “Os conflitos são resolvidos quase que em tempo real”, observa Paulo Nasser, sócio do Miguel Neto Advogados.
O método é usado há bastante tempo e de forma ampla nos Estados Unidos. Aqui no Brasil ganhou força a partir de exigências do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Obras de infraestrutura financiadas por esses dois órgãos têm necessariamente que contar com uma instância prévia para a solução dos conflitos.
O primeiro contrato com o poder público prevendo esse método no país foi justamente o da Linha 4-Amarela do metrô. A primeira licitação das obras da segunda fase (que inclui as estações Fradique Coutinho, Higienópolis, Oscar Freire, Morumbi e Vila Sônia) ocorreu em 2011 e foi vencida por um outro consórcio, que era formado pelas empresas Corsan-Corvian, Isolux Espanha e Isolux – face Brasil – e a Engevix.
Em julho de 2015, no entanto, houve a rescisão desse primeiro contrato e no ano de 2016 foi feito um novo processo licitatório e assinado o contrato com o atual consórcio, composto pelas construtoras Tiisa e Comsa.
A equipe que compõe o dispute board foi acionada quatro vezes desde o início desse segundo contrato, em duas delas se manifestou de forma favorável ao Metrô e nas outras duas contra – uma delas envolvendo a retirada de material contaminado do solo. Essa foi a única levada ao Judiciário.
O conflito se deu porque o contrato previa três formas para essa operação, com custos diferentes, e o Metrô não concordou com a que foi utilizada pelas construtoras.
O governo do Estado conseguiu liminar, em primeira instância, para suspender a decisão técnica. O consórcio recorreu e no TJ-SP, a 10ª Câmara de Direito Público decidiu, de forma unânime, manter o que havia sido determinado (agravo de instrumento nº 2096127-39.2018.8.26.0000).
“A interferência judicial deve dar-se com moderação e em casos que fujam à normalidade, para que a resolução amigável não se torne uma fase sem sentido ou eficácia ou que a vinda a juízo não represente mais que inconformismo com uma decisão fundamentada e, ao seu modo, correta”, afirma em seu voto o relator do caso, desembargador Torres de Carvalho. Ele acrescentou ainda que “o edital e o contrato” devem ser respeitados.
Representantes do consórcio no caso, os advogados João Paulo Pessoa e Leonardo Toledo, do escritório Toledo Marchetti, afirmam que as construtoras só não adotaram a primeira metodologia prevista no contrato, que seria a mais barata, porque a única empresa que presta o serviço no país não estava disponível. Eles dizem que o consórcio buscou, então, a segunda opção e que o Metrô se posicionou de forma contrária somente 20 dias depois de todo o material ter sido retirado e tratado.
“O dispute board enfrentou todos os pontos que o Metrô contestou. A decisão está muito bem fundamentada”, diz Pessoa. “Se fosse criado um precedente para suspender liminarmente essas decisões, o dispute board perderia todo o sentido. Porque a lógica é justamente a de resolver o conflito da maneira mais rápida, sem prejudicar o contratante, o contratado e o andamento da obra. Ela só pode ser revista ou anulada se tiver alguma ilegalidade ou algo que demonstre que a decisão é flagrantemente errada”, acrescenta.
Os advogados entendem que a administração pública ganha com o reconhecimento do instituto do dispute board, que, acreditam, fica fortalecido a partir do posicionamento do TJ-SP. “Um agente público tem muito mais segurança para justificar pagamentos extras, por exemplo, a partir do momento em que existe decisão de uma junta técnica”, afirma Pessoa.
Procurado pelo Valor, o Metrô de São Paulo informou que irá recorrer da decisão do TJ-SP. As obras da Linha 4-Amarela ainda estão em andamento e o contrato com as construtoras tem previsão de encerramento somente para meados de 2020.
O dispute board, apesar do reconhecimento da Justiça, não é regulado ainda por norma federal. Há apenas uma lei municipal (nº 16.873) publicada em fevereiro por São Paulo sobre o tema. O texto, que trata o método como Comitê de Prevenção e Solução de Disputas, dispõe sobre o seu uso nos contratos da administração direta e indireta. A legislação trata, basicamente, sobre o mesmo modelo que já se pratica no mercado.
São Paulo foi o primeiro e serviu de inspiração para um projeto de lei (PL) que tramita no Senado. O PL de nº 206 tem a autoria do senador Antonio Anastasia (PSDB/MG) e pretende regulamentar a instalação dos comitês nos contratos administrativos que são celebrados pela União. Foi protocolado no mês passado e ainda aguarda a designação de um relator.