Estadão/Blog do Fausto Macedo – Negociação de contratos de infraestrutura em tempos de crise

01 de abril de 2020 | 10h00

 

Natália Bastos, Rodrigo Petrasso e Taisa Hasimoto. FOTOS: DIVULGAÇÃO

 

A pandemia da covid-19, além de severos impactos sociais, deverá gerar, a curto, médio e longo prazo, efeitos econômicos muito adversos. Com isso, economias recessivas, como a brasileira, correm o risco de degenerar para verdadeiras depressões, com impactos persistentes na produção, no emprego e na renda.

 

Sem prejuízo das medidas macroeconômicas adequadas ao enfrentamento deste cenário, há, no âmbito microeconômico, providências que devem ser implantadas para mitigação de riscos e prejuízos. Tais soluções são especialmente importantes em relação ao setor de infraestrutura, dado ser este um dos maiores gargalo postos à retomada da demanda interna, fundamental no horizonte de retração dos mercados globais.

É certo que o segmento de infraestrutura apresenta oportunidades latentes, as quais devem ser prioritariamente incentivadas pelo Governo. Para que isto ocorra de forma sustentável, impõe-se, porém, uma mudança de paradigma negocial quanto à estruturação de novos projetos e contratos.

 

Quais soluções seriam as mais adequadas?

 

Boa-fé e razoabilidade. A atual conjuntura singular será levada em conta, certamente, por juízes e árbitros que venham a decidir sobre futuras controvérsias respeitantes aos contratos de infraestrutura. Por esta razão, é esperado que, cada vez mais, seja dada relevância aos princípios gerais do direito contratual, tais como os da boa-fé, da razoabilidade e da eficiência.

 

Ainda resiste, entre nós, cultura negocial segundo a qual o contrato representaria o resultado do embate de forças contrapostas. Não à toa, os contratos de infraestrutura ainda são negociados e estruturados com vieses relevantes de fiscalização e de responsabilização, com pouco nível estrutural de cooperação e com esquemas rígidos de alocação de riscos e responsabilidades.

 

Em contexto marcado por imprevisibilidades, mostram-se mais eficientes, contudo, econômica e juridicamente, arranjos contratuais pautados pela busca de estímulos positivos à boa conduta das partes, mediante, p.ex., previsão de compartilhamento de otimizações e de reduções de custos, bem assim de formas cooperativas de superação de obstáculos e dificuldades.

 

Faz-se mais importante do que nunca, pois, que as partes, em tempos de crise, ajam de forma correta, ética e colaborativa.  Essencial que os agentes se pautem na razoabilidade e não se aproveitem deste momento conturbado para apresentar pleitos injustificados, ou que estavam “engavetados”.

 

Viabilidade técnico-comercial. Não tem sido incomum, no mercado de infraestrutura, a apresentação de propostas técnico-comerciais de viabilidade incerta. Muitas vezes, tal ocorre em razão de expectativas (nem sempre plausíveis) de eficiência futuras ou de possíveis repactuações e/ou reequilíbrios econômico-financeiros.

 

Sugere-se que, neste contexto de incertezas, seja adotada postura mais conservadora. As oportunas revisões dos estudos de viabilidade técnico-comercial, com tal fim, devem buscar antever, tanto quanto possível, os efeitos perniciosos que a pandemia de covid-19 terá em relação a toda a cadeira logística e de suprimentos do setor. Recorde-se, quanto a isso, que, em vista do fato de a pandemia e seus efeitos já serem de conhecimento público (ainda que seu término seja insondável e seus prejuízos ainda não sejam mensuráveis), o evento não configura fato superveniente e imprevisível – requisitos necessários à configuração de caso fortuito ou de força maior, como abaixo explicado.

 

Disposições transitórias. Enquanto a crise perdurar, a probabilidade de impactos no dia a dia do projeto será inegável, inclusive no que toca à obtenção de matérias-primas e de mão de obra. Por isso, para os negócios que serão iniciados durante esse período, é interessante que condições especiais sejam negociadas, para que vigorem até o restabelecimento das condições normais.

 

Nesse sentido, acaso haja a intenção de se assinar o contrato agora, mas com previsão de que a execução seja iniciada em período de maior estabilidade, as partes poderão, p. ex., subordinar a eficácia do contrato a determinadas condições suspensivas, vinculadas à superação das consequências da pandemia de covid-19.

 

Alocação de riscos. É também fundamental que as partes reservem um tempo maior para a negociação das cláusulas referentes a caso fortuito ou força maior, a onerosidade excessiva, às condições e hipóteses de revisão de preço e/ou de repactuação de prazo e, ainda, à forma de resolução das disputas contratuais.

 

É comum encontrar contratos com cláusulas de caso fortuito ou força maior omissas ou demasiadamente genéricas. A fim de se afastar interpretações dúbias, o ideal é que as partes indiquem, expressamente, quais são os requisitos para o enquadramento de eventos como hipótese de caso fortuito ou força maior e, na medida do possível, listem os eventos que serão expressamente incluídos (ou excluídos, a depender da estruturação da cláusula). Relevante que também seja definido, desde o início, quem arcará com os custos adicionais decorrentes de tal evento, assim como a forma pela qual serão ajustados os prazos adicionais.

 

Vale ressaltar, de mais a mais, que a caracterização de caso fortuito ou força maior pressupõe, cumulativamente, (a) a superveniência do evento e (b) a imprevisibilidade e inevitabilidade deste e de suas consequências. Portanto, a pandemia da covid-19 não poderá ser caracterizada como caso fortuito ou força maior nos contratos que estão sendo atualmente negociados. As partes, pois, devem se atentar e utilizar outros mecanismos contratuais disponíveis para mitigar os riscos decorrentes da covid-19, conforme exposto no presente artigo.

 

Ainda nesse cenário, pode ser aplicável, aos contratos já celebrados, o instituto da onerosidade excessiva, previsto no Código Civil, em razão do qual o devedor pode solicitar a extinção do contrato ou a revisão de suas cláusulas, com o fim de reequilibrar as obrigações originalmente pactuadas. Para isto, pressupõe-se, no caso concreto, a demonstração do caráter excessivo da prestação atribuída a uma das partes, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis (como a pandemia da covid-19).

 

Além das possibilidades acima mencionadas, é possível que as partes estabeleçam, de comum acordo, outras hipóteses em que as condições contratuais de preço e de prazo possam ser repactuadas. Desde já, os contratantes poderão estabelecer os estritos termos desta revisão, para que não haja margens para discussões futuras.

 

Evidentemente, diante da complexidade dos contratos de infraestrutura, existem temas sensíveis que impossibilitam que as partes cheguem em acordo amigável e que, consequentemente, devem ser submetidos aos métodos de resolução de disputas. Em contextos como o da covid-19, visando a uma maior celeridade (principalmente para questões que possuam caráter mais técnico), é recomendável a inserção, nos contratos de infraestrutura, da figura do “Dispute Board”, dadas as notórias eficiências que este mecanismo traz aos projetos.

 

Momentos de crise como o atual nos fazem relembrar a importância de um contrato bem negociado. Nesse sentido, toda precaução é pouca, e os mínimos detalhes podem fazer toda a diferença na hora de resolver controvérsias.

 

*Natália Bastos, Rodrigo Petrasso e Taisa Hasimoto, advogados do Toledo Marchetti Advogados

 

https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/negociacao-de-contratos-de-infraestrutura-em-tempos-de-crise/

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