O Decreto Municipal nº 60.939/2021, publicado e em vigor desde 23/12/2021, regulamenta a Política Municipal de Desjudicialização instituída pela Lei nº 17.324/2020, implantando a resolução não adjudicada de controvérsias no âmbito da administração pública municipal direta e indireta. O Decreto também regulamenta a transação tributária dos créditos tributários constituídos em face de entidades religiosas e de entidades educacionais sem fins lucrativos.

 

A Política Municipal de Desjudicialização, objeto principal regulamentado pelo Decreto, vem com a proposta de desafogar o sistema de demandas administrativas e judiciais, já sobrecarregado, trazendo mais possibilidades de resolução extrajudicial de conflitos.

 

O movimento de desjudicialização de conflitos vem tomando cada vez mais forma e se enraizando no Brasil, criando novos órgãos ou utilizando os já existentes para solucionar demandas sem recorrer ao Poder Judiciário, em atenção à economia de recursos e celeridade.

 

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

 

Logo no art. 1º do Decreto, são indicados os objetivos da Política Municipal de Desjudicialização, definidos no art. 1º da Lei nº 17.324/2020, sendo eles: (i) a redução da litigiosidade; (ii) estimular a solução adequada de controvérsias; (iii) promover, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos; e (iv) aprimorar o gerenciamento do volume de demandas administrativas e judiciais.

 

A coordenação desta Política ficará a cargo da Procuradoria Geral do Município, com o apoio do Comitê de Desjudicialização, composto pelo Procurador Geral do Município, pelo Secretário Municipal de Justiça, pelo Secretário de Governo Municipal e pelo Secretário Municipal da Fazenda, se reunirá pelo menos uma vez a cada trimestre ou quando convocado por um de seus membros.

 

ACORDOS E TRANSAÇÕES

 

Os benefícios das modalidades de acordos e transação podem consistir em: (i) descontos no valor principal dos débitos inscritos em dívida ativa; (ii) desconto sobre as multas e juros incidentes sobre os débitos inscritos em dívida ativa; (iii) parcelamentos; (iv) diferimento ou moratória; (v) flexibilização de regras para aceitação, avaliação, substituição e liberação de garantias; e (vi) flexibilização de regras para constrição ou alienação de bens.

 

Para celebração de acordos e transações pela solução consensual de controvérsias, serão primeiro analisados seus benefícios, bem como sua viabilidade jurídica em processo administrativo.

 

Em vista disso, são enumerados no art. 4º os critérios a serem levados em consideração: (i) o conflito deve versar sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação (este último deve ser homologado em juízo, exigida a oitiva do Ministério Público, exceto nas hipóteses dispensáveis por lei); (ii) antiguidade do débito; (iii) garantia da isonomia para qualquer interessado em situação similar que pretenda solucionar o conflito consensualmente; (iv) edição de ato regulamentar das condições e parâmetros objetivos para celebração de acordos a respeito de determinada controvérsia quando for o caso; (v) capacidade contributiva; e (vi) qualidade da garantia.

 

Quanto à Autocomposição, poderá versar sobre todo o conflito ou parte dele, sendo que nos conflitos que já se encontram judicializados, poderá abranger o reconhecimento da procedência do pedido, a transação ou a renúncia à pretensão formulada na ação ou na reconvenção.

 

Na Lei, todos os ajustes derivados da autocomposição são considerados acordo, já a transação é uma modalidade de acordo que tem como consequência a extinção do crédito da Fazenda Municipal de natureza tributária ou não tributária.

 

Os acordos e transações somente consistirão no pagamento de valores inscritos na dívida ativa municipal, com valor limite para celebração de R$ 510.000,00 (quinhentos e dez mil reais), não se aplicando aos acordos firmados em Programas de Parcelamento Incentivado – PPI anteriores à 18/03/2020, regidos por legislação própria.

 

Conforme definido no art. 6º do Decreto, a autorização para a realização de acordos e transações será conferida diretamente ou mediante representação: (i) pelo Procurador Geral do Município, quando a controvérsia envolver a Administração Direta, bem como as autarquias e fundações representadas judicialmente pela Procuradoria Geral do Município; (ii) pelo dirigente máximo das entidades de direito público, quando a controvérsia envolver as autarquias e fundações não representadas judicialmente pela Procuradoria Geral do Município; ou (iii) pelo dirigente máximo das entidades de direito privado, quando a controvérsia envolver as empresas públicas, as sociedades de economia mista e suas subsidiárias.

 

Também é definida a obrigatoriedade de participação do advogado quando a solução consensual da dívida ocorrer em processos judiciais em trâmite e com representação já constituída nos autos.

 

MODALIDADES DOS ACORDOS E TRANSAÇÕES

 

Os acordos e transações podem ser divididos em 3 (três) modalidades: (i) por adesão à proposta da Procuradoria Geral do Município, nos termos e condições estabelecidos em edital, implicando a aceitação pelo devedor de todas as condições fixadas no edital proposto pela Procuradoria Geral do Município; (ii) individuais, propostos pela Procuradoria Geral do Município; (iii) ou individuais propostos por devedor inscrito em dívida ativa, a serem  realizados em sistema eletrônico específico adequado aos propósitos do Decreto.

 

É obrigatória a assistência por advogado nos acordos e transações individuais que envolvam créditos de natureza tributária em montante superior a 20 (vinte) salários-mínimos federais, apurado na data da proposta.  Caso o valor em discussão seja igual ou inferior, a assistência por advogado é facultativa, ressalvado quando já há processo judicial em trâmite com representação constituída nos autos.

 

Em qualquer das modalidades de acordo ou transação o beneficiado deverá indicar expressamente os meios de extinção dos débitos nela contemplados, ficando obrigado, de acordo com o art. 8º, a:

 

  • não utilizar o acordo ou a transação de forma abusiva, com a finalidade de limitar, falsear ou prejudicar de qualquer forma a livre concorrência ou a livre iniciativa econômica;
  • não utilizar pessoa natural ou jurídica interposta para ocultar ou dissimular a origem ou a destinação de bens, de direitos e de valores, seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários de seus atos, em prejuízo da Fazenda Pública municipal;
  • não alienar nem onerar bens ou direitos eventualmente ofertados em garantia para a celebração do acordo ou da transação, sem a devida comunicação à Procuradoria Geral do Município;
  • desistir dos embargos à execução e de quaisquer outras ações que tenham por objeto os débitos incluídos no acordo ou na transação, renunciando ao direito sobre o qual se fundam. Para tanto, o beneficiado deve pedir a extinção dos processos com resolução de mérito por renúncia à pretensão formulada, no prazo de 60 (sessenta) dias, contados da adesão ou apresentação de proposta de acordo ou transação.

 

Os requisitos para o deferimento das modalidades de acordo e transação poderão envolver, a critério da Procuradoria Geral do Município:

 

  • fornecimento de informações, declarações, documentos e arquivos sobre bens, direitos, valores, entre outros, que permitam à Procuradoria Geral do Município conhecer a situação econômica e financeira do beneficiário;
  • declaração de que as informações cadastrais, patrimoniais e econômico-fiscais prestadas à Procuradoria Geral do Município são verdadeiras e não houve a omissão de informações quanto à propriedade de bens, direitos e valores, quando o acordo ou a transação envolver a capacidade de pagamento;
  • pagamento de entrada mínima;
  • manutenção de garantias associadas aos débitos transacionados, quando o acordo ou a transação envolver parcelamento, moratória ou diferimento;
  • apresentação de quaisquer modalidades de garantia previstas em lei, inclusive de natureza real ou fidejussória, seguro garantia, cessão fiduciária de direitos creditórios e alienação fiduciária de bens imóveis.

 

O Decreto também define, em seu art. 11, que os requisitos para o deferimento do acordo ou da transação, em quaisquer de suas modalidades, ficam condicionados a:

 

  • pagamento da primeira parcela, caso tenha por objeto o parcelamento dos débitos inscritos;
  • autorização do beneficiário para que o Município levante, a seu favor, valores de depósitos judiciais e extrajudiciais em dinheiro para garantir os débitos inscritos que constituam objeto do acordo ou da transação,  procedendo-se o acordo ou transação pelo saldo remanescente;
  • desistência de quaisquer ações relacionadas no prazo de 60 (sessenta) dias, conforme definido anteriormente;
  • recolhimento dos encargos da cobrança judicial e extrajudicial incidentes sobre os débitos inscritos que constituam objeto do acordo ou transação.

 

RESCISÃO DO ACORDO OU DA TRANSAÇÃO

 

O Decreto também elenca as hipóteses em que  o acordo ou transação poderão ser  rescindidos, como por exemplo: (i) caso haja constatação de descumprimento ou inobservância de cláusulas, legislação ou edital;(ii) ocorrência de hipótese de rescisão definida entre as partes;(iii) decretação de falência ou extinção por liquidação da pessoa jurídica transigente (neste caso poderá o devedor aderir a modalidade de acordo ou transação proposta pela Procuradoria Geral do Município, quando disponível, ou apresentar nova proposta de acordo ou transação individual); (iV) existência de prevaricação concussão ou corrupção passiva ou qualquer tipo de fraude; entre outras.

 

Importante destacar que na hipótese de rescisão do acordo ou transação, as importâncias pagas, compensadas ou incluídas em parcelamentos não serão restituídas.

 

Na incidência de alguma das hipóteses de rescisão do acordo ou transação, o devedor será notificado por meio eletrônico previamente estabelecido e terá conhecimento dos motivos da rescisão, podendo regularizar o vício ou apresentar impugnação no prazo de 30 (trinta) dias (durante o prazo ficará preservado o acordo ou transação).

 

A impugnação deverá ser apresentada eletronicamente e deverá trazer todos os elementos que infirmem as hipóteses de rescisão, facultando-se a apresentação de documentos. Caso a impugnação seja rejeitada, o beneficiário poderá manejar recurso contra a decisão que manteve a rescisão do benefício.

 

Mantida a rescisão, serão afastados todos os benefícios concedidos e a retomada do curso da cobrança dos créditos, garantida a dedução os valores pagos, com a execução das garantias prestadas e prática dos demais atos executórios do crédito, judiciais ou extrajudiciais.

 

CÂMARA DE PREVENÇÃO E RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA DE CONFLITOS

 

O Decreto também criou a Câmara de Prevenção e Resolução Administrativa de Conflitos no Município de São Paulo, vinculada à Procuradoria Geral do Município, que terá as seguintes atribuições:

 

  •  dirimir, por meios autocompositivos, os conflitos entre órgãos e entidades da Administração Pública Municipal Direta e Indireta e entidades contratadas pelo Poder Público, quando os respectivos contratos previrem a submissão de controvérsias à Câmara de Prevenção e Resolução Administrativa de Conflitos no Município de São Paulo;
  • avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos por meio de composição, no caso de controvérsia entre particular e pessoa jurídica de direito público;
  • promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta nos casos submetidos a meios autocompositivos;
  • requisitar, aos órgãos e entidades da Administração Pública Municipal, informações para subsidiar a sua atuação; e
  • propor, quando couber, ao Procurador Geral do Município o arbitramento das controvérsias entre órgãos da Administração Pública Municipal Direta e Indireta não solucionadas por meios autocompositivos.

 

A Câmara ficará responsável por indicar mediador para conduzir o procedimento de comunicação entre as partes e, havendo consenso entre as partes, o acordo será reduzido a termo final de mediação e constituirá título executivo extrajudicial.

 

CONCLUSÃO

 

O Decreto determina que a Procuradoria Geral do Município desista de todas as execuções com valor igual ou inferior a R$ 15.000,00 (quinze mil reais) em até 90 (noventa) dias da sua edição, exceto se a execução tratar de débitos de execuções fiscais embargadas (salvo se houver manifestação do executado em Juízo concordando com a extinção do feito sem qualquer ônus para o Município).

 

Também ficam fora da regra de desistência os casos cujos débitos decorrem de decisões judiciais já transitadas em julgado ou débitos excluídos da desistência por decisão fundamentada do Procurador Geral do Município.

 

No prazo de 60 (sessenta dias) da publicação do Decreto, a Procuradoria Geral do Município deverá levar ao conhecimento da Administração direta e indireta todas as Ações Judiciais em andamento que tenham suas entidades como partes litigantes, devendo ser apresentada proposta de solução para cada caso, sendo submetida a controvérsia à Câmara criada pelo Decreto.

 

O Decreto traz, claramente, as hipóteses em que pessoas físicas e jurídicas com débitos inscritos na Dívida Ativa do Município poderão celebrar acordo ou transação, mitigando o risco de judicialização da demanda que leva a constrição forçada de bens.

 

Além de benefício aos beneficiários, esta iniciativa observa a necessidade urgente de diminuir a quantidade de demandas levadas ao Judiciário pelo próprio Estado, maior litigante brasileiro, viabilizando a resolução das controvérsias, despendendo menos esforços financeiros e humanos do aparelhamento estatal.

 

A equipe do Toledo Marchetti Advogados está disposição para mais esclarecimentos sobre o assunto.

 

João Marcos Neto de Carvalho – (jcarvalho@toledomarchetti.com.br)
Fernanda Ferraz de Almeida Bozza – ([email protected])
Camila Pelafsky de Almeida Oliveira – (coliveira@toledomarchetti.com.br)

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