O Projeto de Lei n°4.758 de 2020 (“PL”) de iniciativa da Câmara dos Deputados e já encaminhado à Casa Revisora, o Senado Federal, em 19 de outubro de 2022, tem como escopo a regulamentação do trust no ordenamento jurídico brasileiro, mas com características próprias, que muito se assemelham as já utilizadas em outros países.
Por meio de uma roupagem especial do já conhecido negócio fiduciário, o PL prevê que o trust poderá ser formalizado por instrumento particular, seja na forma de contrato ou ato unilateral, com cárater revogável ou irrevogável, conforme a vontade do fiduciante, o qual corresponde à figura do settlor na configuração do trust existente no exterior.
Apesar de o PL ser um primeiro passo para introdução normativa do trust brasileiro, a ausência de disposição acerca da forma de tributação tem gerado uma série de questionamentos por parte, principalmente, de juristas que têm se debruçado sobre a análise de seu texto inicialmente proposto.
Seu caráter revogável ou irrevogável e a transferência de patrimônio do instituto da fidúcia ou do trust braisleiro, tratados pelo mencionado PL, são os principais aspectos do instituto que sugerem a hipótese de incidência tributária, a qual, atualmente, é controversa no que diz respeito à atração do Imposto de Renda (“IR”) ou do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (“ITCMD”) nos casos de beneficiários brasileiros de trusts instituídos no exterior.
Para a Receita Federal do Brasil, os benefícios disponibilizados ao beneficiário do trust são tributados pelo IR, conforme entendimento publicado na Solução de Consulta COSIT nº 41/2020, fundamentado no artigo 43 do Código Tributário Nacional (“CTN”) e artigo 8º da Lei nº 7.713/1988.
Já para aqueles que defendem a incidência do ITCMD, a transferência de titularidade do patrimônio à título gratuito atrairia a tributação pelo referido imposto estadual, nos termos do artigo 35 do CTN e da respectiva lei ordinária estadual aplicável a cada caso.
Os adeptos dessa corrente levam em consideração, ainda, o caráter revogável ou irrevogável do instituto para a incidência do ITCMD, destacando que seria necessária uma análise minuciosa dos casos revogáveis, haja vista a dúvida que paira quanto à caracterização de doação na existência de cláusula de revogabilidade. Por outro lado, em sendo irrevogável, a inerente impossibilidade de reversão dos ativos configuraria uma doação e, portanto, atrairia a incidência do ITCMD.
Mas as discussões não param por aí.
Além da controvérsia acerca da incidência do IR ou do ITCMD, há dúvidas sobre o momento da ocorrência de seus respectivos fatos geradores, se na constituição do trust (titularidade legal) ou se na disponibilização dos ativos ao beneficiário (titularidade econômica).
Outra importante lacuna não preenchida pelo texto inicialmente proposto do PL remete à discussão e insegurança relacionadas à composição do patrimônio do settlor (fiduciante), à declaração dos ativos objeto do trust, bem como dos respectivos frutos e rendimentos decorrentes de tal patrimônio.
Apesar de todos os questionamentos, não se pode negar elogios à iniciativa da Câmara dos Deputados quanto à proposta normativa do Projeto de Lei n°4.758 de 2020 na promoção de avanços para o ordenamento jurídico brasileiro, na medida em que contribui para o fortalecimento da segurança jurídica necessária ao desenvolvimento do planejamento patrimonial no país.
Gabriella Costa ([email protected])