Em suma: simplicidade e objetividade são a regra.
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021
As arbitragens com a Administração Pública já são uma realidade, de modo que, nos últimos tempos, multiplicaram-se também os editais de licitação contendo cláusulas arbitrais. São esses dispositivos contratuais que vinculam as partes e garantem a instauração da arbitragem como método de resolução de disputas, então uma boa redação é elementar para o sucesso do procedimento arbitral.
Como a inclusão dessas cláusulas em contratos administrativos ainda tende a ser uma novidade, é possível verificar, nesse primeiro momento, a recorrência de alguns pontos de melhoria na redação desses dispositivos. Confira, abaixo, cinco problemas recorrentes em cláusulas compromissórias de contratos públicos e como evitá-los:
Don’t: Deixar ambiguidades no mecanismo de acesso à arbitragem
É bem comum que, em contratos administrativos, as cláusulas de resolução de conflitos prevejam, além da arbitragem, disposições acerca da realização de negociações, mediações e/ou dispute boards. Prevê-se, assim, uma pluralidade de meios de resolução de disputa que podem ser acessados pelas partes.
À luz desse panorama, uma deficiência muito frequente na redação de cláusulas arbitrais é a falta de clareza acerca da obrigatoriedade – ou não – de se recorrer a esses outros métodos de resolução de disputas antes de submeter um conflito à arbitragem. Em outros termos, surgem as seguintes dúvidas: a cláusula é escalonada ou não? Se for, percorrer as etapas preliminares é requisito essencial para as partes acessarem a via arbitral?
Nesses casos, não há muita margem sobre a solução a ser adotada para equacionar esse problema: quando houver a previsão de mais de um mecanismo de solução de disputas, o agente público deve deixar claro qual o caminho a ser percorrido para a resolução da disputa e quais etapas devem ser percorridas – seja obrigatoriamente, seja facultativamente. Vale, por fim, um último alerta: quando efetivamente surge um litígio e as partes não possuem mais intenção de colaborar para uma solução consensual, a obrigatoriedade do cumprimento de etapas preliminares servirá apenas para protelar o acesso à arbitragem e aumentar a agonia das partes.
Don’t: Incluir cláusula paralela de eleição de foro
Outra prática a se evitar a todo custo é a inclusão de cláusula paralela de eleição de foro judicial. São os casos em que, além da arbitragem, prevê-se a competência do foro de determinada localidade “para dirimir todas e quaisquer controvérsias oriundas do presente Contrato”.
O grande problema desta redação é que surge um grande risco interpretativo, apto a colocar em xeque o mecanismo da arbitragem. Isso porque pode-se interpretar que a cláusula paralela de eleição de foro abre uma via de mão dupla entre judiciário e arbitragem, a qual deixa de ser obrigatória.
Nesse caso, a solução é que a cláusula de eleição de foro tenha caráter expressamente residual, especificando as situações em que as partes do contrato poderiam recorrer ao Poder Judiciário: medidas de urgência pré-arbitrais, cumprimento de sentença arbitral e disputas sobre matérias não arbitráveis.
Don’t: Prever regulamentação excessiva da cláusula arbitral
Seja pelo medo de pactuar uma cláusula arbitral vazia, seja pela pretensão de regular exaustivamente o contrato, muitas cláusulas arbitrais acabam pecando pelo excesso de regulamentação. Assim é que elegem o regulamento de uma câmara arbitral, mas disciplinam minúcias do procedimento que normalmente já estão previstas no referido regulamento. É o caso, por exemplo, dos prazos para indicação de árbitros, prazos de apresentação de manifestações, prazo para proferimento da sentença arbitral, forma de comunicação entre as partes, etc.
Embora não haja impeditivos ao detalhamento do procedimento arbitral na cláusula compromissória, é importante considerar que essas estipulações podem entrar em contradição com o regulamento de arbitragem escolhido, o qual, via de regra, não pode ser aplicado parcialmente pela câmara de arbitragem. Nesses casos, o que se costuma fazer para evitar contratempos é, uma vez instaurada a arbitragem, pactuar a assinatura de um documento derrogando as cláusulas contratuais e deixando claro que se aplicam as normas do regulamento da câmara.
Por isso, a principal solução para evitar esse tipo de contratempo e facilitar a instauração da arbitragem é mais optar pela simplicidade da redação, observando, sempre, o regulamento da câmara eleita.
Don’t: ‘Emprestar’ leis de outros estados ou municípios
Outra prática a se evitar em cláusulas compromissórias envolvendo a Administração Pública é a previsão da incidência da legislação de outros Municípios e/ou Estados, ou seja, um empréstimo” da legislação prevista para outro ente federativo. É o caso, por exemplo, do edital de concessão elaborado por um ente da administração indireta de um Município que prevê a aplicação da lei de arbitragem que outro Estado editou para as arbitragens envolvendo entes de sua administração direta.
Essa forma de regulamentação por “empréstimo” de legislação não é recomendável, seja pela possibilidade de conter normas inaplicáveis (p. ex., normas que preveem cadastramento de câmaras arbitrais, o que pode não existir na realidade administrativa do outro ente), seja pelos riscos associados a futuras mudanças legislativas (p. ex., derrogação da lei, alteração por lei superveniente, criação de lei aplicável ao ente em questão). Muito embora as novas leis e decretos de arbitragem com a Administração Pública apresentem, em muitos casos, semelhanças entre si, é inegável que existem divergências que podem gerar problemas futuros.
Nesses casos, a solução para evitar esses conflitos é identificar os dispositivos cuja aplicação se entende necessária e, apenas para essas normas, incorporar o seu texto expressamente no corpo do contrato, com as eventuais adaptações que se façam necessárias. Com isso, evitam-se conflitos entre legislações e o “empréstimo” de normas inaplicáveis.
Don’t: Prever excessos na qualificação dos árbitros
A indicação dos árbitros é outro ponto de grade sensibilidade nas arbitragens envolvendo a Administração Pública. Afinal, os entes públicos e o regime jurídico que lhes é aplicado apresentam particularidades que os diferenciam da realidade de um ente puramente privado.
Atentos a essa preocupação, é comum que gestores públicos queiram qualificar o perfil do arbitro a ser indicado em uma eventual arbitragem. Assim é que já se publicaram cláusulas compromissórias prevendo, por exemplo, que pelo menos um árbitro deveria ser funcionário da Administração Pública. Ou prevendo, então, que todos os três árbitros deveriam ser especializados na matéria e possuir, no mínimo, determinado período de experiência e determinado grau de titulação acadêmica.
Esse tipo de previsão, embora possa criar uma falsa sensação de segurança, muitas vezes acaba por tornar impossível o cumprimento da cláusula arbitral, seja por criar situações de conflito de interesses (como no exemplo do árbitro funcionário público), seja por restringir excessivamente o campo de profissionais aptos a serem indicados.
A solução para essas situações passa, novamente, por focar no que é efetivamente essencial, evitando que os excessos, em vez de ajudar, imponham ainda mais empecilhos às partes – além daqueles que já enfrentam quando estão em conflito.
Em suma: simplicidade e objetividade são a regra.
Atualizado em: 18/2/2021 15:14
Advogada especializada nas áreas de Arbitragem e Construção & Infraestrutura sócia do Toledo Marchetti Advogados. Bacharel em Direito e Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutoranda em Direito Civil pela mesma instituição.
Advogada com atuação nas áreas de Arbitragem e Construção & Infraestrutura, do Toledo Marchetti Advogados. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e graduanda em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Jean Moulin Lyon 3.