É preciso avançar com urgência e clareza nessa agenda, para que a regulamentação do novo marco não se torne ineficaz
21/10/2020 05h01
Foi sancionada no dia 15.07.2020 a Lei nº 14.026/2020, que atualiza o marco legal do saneamento básico no país, e que trouxe consigo importantes alterações em todo o arcabouço legal aplicável ao tema.
A pedra de toque da nova regulamentação, por certo, é a facilitação dos investimentos privados em projetos de infraestrutura de saneamento básico, para o fim de possibilitar o atendimento das metas de universalização estabelecidas na nova legislação.
E as metas são bastante arrojadas: garantir o atendimento de 99% da população com água potável e de 90% da população com coleta e tratamento de esgotos até 31 de dezembro de 2033, assim como metas quantitativas de não intermitência do abastecimento, de redução de perdas e de melhoria dos processos de tratamento.
Por certo, o alcance dessas metas, será responsável por melhorias ambientais significativas.
Aliás, o novo marco vem ao encontro do que dispõe o Decreto nº 10.387/2020, que dispõe sobre o incentivo ao financiamento de projetos de infraestrutura com benefícios ambientais e sociais, e que considera como tais, no setor de saneamento básico, os sistemas de abastecimento de água, de esgotamento sanitário, de manejo de águas pluviais e drenagem urbana, e de manejo de resíduos sólidos urbanos.
Nesse cenário, o aperfeiçoamento dos sistemas de saneamento contribuirá para o aumento da qualidade dos recursos hídricos, para a despoluição de bacias hidrográficas e para a disposição ambientalmente adequada de resíduos sólidos.
Aliás, a Lei nº 14.026/2020 deu nova redação ao artigo 54 da Lei nº 12.305/2010 (Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos), passando a prever que a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos deverá ser implantada até 31 de dezembro de 2020, exceto para os Municípios que até essa data tenham elaborado plano intermunicipal de resíduos sólidos ou plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos, e que disponham de mecanismos de cobrança que garantam sua sustentabilidade econômico-financeira, para os quais ficam definidos prazos diferenciados que não ultrapassam, todavia, o ano de 2024.
Há que se atentar que o novo marco prevê a possibilidade da adoção de outras soluções para os casos em que a disposição de rejeitos em aterros sanitários não seja economicamente viável, observadas normas técnicas e operacionais estabelecidas pelo órgão competente, de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança, e a minimizar os impactos ambientais.
Ciente da premência de buscar agilidade na aprovação dos projetos de saneamento, o novo marco alterou o § 1º do artigo 44 da Lei nº 11.445/2007, passando a dispor que o licenciamento ambiental de unidades de tratamento de esgotos sanitários, de efluentes gerados nos processos de tratamento de água e das instalações integrantes dos serviços públicos de manejo de resíduos sólidos deverá ser priorizado pela autoridade ambiental, que estabelecerá procedimentos simplificados, em função do porte das unidades, dos impactos ambientais esperados e da resiliência de sua área de implantação.
E é nesse contexto que assume importância o debate acerca do Projeto de Lei nº 3.729/2004, que dispõe sobre o licenciamento ambiental e regulamenta o inciso IV, do § 1º do artigo 225 da Constituição Federal.
Por certo, a previsão do licenciamento simplificado para as unidades de tratamento e demais projetos atrelados ao saneamento ambiental e ao manejo de resíduos sólidos, agora trazida pelo novo marco, precisa ser compatibilizada com as regras gerais em discussão.
A propósito, a 4ª versão do Texto Base apresentada em 08.08.2019, última disponibilizada no site da Câmara dos Deputados por ocasião da elaboração deste texto, prevê no artigo 11 o licenciamento simplificado e prioritário para as atividades ou empreendimentos de saneamento básico, e, no seu parágrafo único, estabelece que a exigência de Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) somente se dará em situações excepcionais, devidamente justificadas pela autoridade licenciadora.
Em que pese a relevância das atividades e empreendimentos de saneamento básico, antevemos, neste ponto, que haverá intenso debate sobre o regramento proposto, diante da abertura e indeterminação do conceito de “situação excepcional”, justificadora da dispensa de EIA-RIMA.
Imprescindível que o licenciamento ambiental seja aperfeiçoado para trazer segurança jurídica ao empreendedor e minimizar os riscos de questionamentos administrativos e judiciais de projetos dessa natureza. A prioridade e a relevância que o novo marco a eles atribui não se coaduna com a insegurança jurídica ou com um processo de licenciamento que não seja dotado da celeridade e eficiência.
É preciso, portanto, avançar com urgência e clareza nessa agenda, para que a regulamentação do novo marco não se torne ineficaz ou vazia de propósito, tendo em vista que os vultosos investimentos previstos para o sistema de saneamento, somente serão – por certo – realizados, se os riscos decorrentes da implantação estiverem devidamente mapeados e forem passíveis de mitigação.
Sem um processo de licenciamento eficiente, seguro e compatível com a relevância e prioridade dos projetos de saneamento, que compatibilize o desenvolvimento econômico e social, com a variável ambiental, há um risco elevado de não serem atraídos os investimentos esperados e tampouco serem atingidas as metas de universalização previstas no novo regulamento.
Ana Claudia de Mello Franco é sócia da área Ambiental do escritório Toledo Marchetti