Por: Marcelo Marchetti
Em tempos de discussão sobre a quem o Coaf se subordina e, como dito pelo Presidente, sobre o intuito de tirá-lo do “jogo político”, quem visitar o Fórum Romano, no centro de Roma, visualizará um local onde, há mais de dois mil anos, já se discutia sobre poder, jogos políticos, fraudes e corrupção. Não se deve desmerecer a beleza do local e o patrimônio histórico e cultural que representa. O fato é que vale refletir sobre como era a governança naquela época e como ela evoluiu até hoje.
Muito se organizou e evoluiu desde então. Sistemas de governo foram criados e vêm sendo aprimorados de tempos em tempos. Por outro lado, há comportamentos típicos do ser humano que evoluíram muito pouco. Lá, aqueles do alto poder faziam política para buscar permanecer onde estavam. Cometiam fraudes, se corrompiam para satisfazer vaidades e alimentar o próprio ego. Usavam do entretenimento para animar o povo e tê-los satisfeitos, com o intuito de influenciá-los para o atendimento de interesses próprios. Tais atitudes, infelizmente, são vistas e praticadas até hoje.
Em paralelo, vejamos como a ciência e a tecnologia progrediram nos últimos dois mil anos e como elas influenciam e interferem no comportamento do ser humano. Pensemos, então, o quanto a tecnologia trouxe melhorias à população. São milhares, incontáveis os benefícios, seja na área da saúde, do conhecimento, da infraestrutura, do entretenimento etc.
A questão que gostaríamos de colocar é: como a ciência e a tecnologia podem influenciar a governança? Rapidamente, vale destacar e relacionar tal evolução com a Primavera Árabe. Nela, uma série de pessoas do Oriente Médio e do norte da África se uniram pelo Facebook para organizar protestos contra governos do mundo árabe em 2011. O estopim se deu na Tunísia quando o comerciante Mohammed Bouazizi ateou fogo no próprio corpo após ser ultrajado pela polícia, por ter se negado a pagar propina. A população se revoltou e foi às ruas para questionar a falta de democracia e para reivindicar melhores condições sociais de vida. O movimento provocou a queda de governantes da Tunísia, Egito Líbia e Iêmen. Note-se, passados dois mil anos e o povo ainda reivindica questões muito semelhantes.
Da mesma forma, mais especificamente na área de compliance, a ciência e a tecnologia têm contribuído muito. As formas de controle mais eficientes são aquelas que passam pelo processo de transformação digital pela digitalização e digitização. O primeiro significa a passagem de dados físicos para o formato digital. O segundo decorre do uso de tecnologias digitas para mudar um modelo de negócios e fornecer novas oportunidades de geração de valor. Pode-se dizer também que a digitização transforma regras e processos em algoritmos que despersonificam as decisões.
Ainda que haja transformação nas regras mais cotidianas, ou mais ordinárias, estas têm um papel fundamental no todo. Ajudam a dar visibilidade, a filtrar as coisas mais simples ou gritantes, para que o ser humano se concentre nos casos mais relevantes. Obviamente, caberá a nós, seres humanos, administrar não só os algoritmos, mas também os casos de exceção, que necessitarão de intervenção pessoal. Mas o que se quer enfatizar aqui é o potencial nos códigos para evolução da governança.
Poder-se-á questionar também que, se há regras, sempre haverá exceções ou sempre haverá formas de burlá-las. Ainda assim, a tecnologia ajuda nos controles e poderá auxiliar muito mais, diminuindo as tarefas humanas e despersonalizando as decisões.
Um exemplo bastante ilustrativo da eficiência da digitização, que interfere no comportamento humano, é a barreira contra surtos de tempestade Maerslantkering na Holanda. Controlada por um supercomputador que está ligado a dados meteorológicos e do nível do mar, sua operação é totalmente automática. Com isso, evita-se o receio e a incerteza do ser humano, que poderia fechar a comporta a qualquer sinal ou insegurança, e transfere-se a decisão para a tecnologia. Aos céticos, vale esclarecer que tal comporta funciona desde 1997.
Da mesma forma, a automação contribui enormemente nos controles bancários, nas movimentações financeiras monitoradas pelo Coaf, nas análises e cruzamentos de dados para fins fiscais e na apuração de lavagem de dinheiro, minimizando riscos e ocorrências non compliant.
E não somente nos controles estão os benefícios. O próprio processo de gestão, as avaliações e votações podem ser feitas (e em muitos lugares já são feitas) por meio da tecnologia, diminuindo, assim, as interferências políticas e a subjetividade. É o caso da qualificação, submissão e aprovação de novos negócios nas empresas. Um sistema para isso tornaria todo o processo mais organizado, menos sujeito a manipulações, registraria os riscos e os manteria acessível a todos interessados. Ao final, a tomada de decisão seria mais qualificada em tal situação.
É dessa maneira, com a transformação digital de processos e modelos de gestão nas companhias em geral (privadas ou estatais) e nos órgãos de controle, que há o maior potencial de evolução da governança e da integridade.
Pode parecer uma descrença na humanidade? Não. É somente a crença nas pessoas mais pela lógica do que pela retórica.