Por Ricardo Medina Salla e João Paulo Pessoa
Os projetos de infraestrutura, que invariavelmente envolvem largos trabalhos de construção civil, fundam-se no tripé formado pelos seguintes elementos: prazo, qualidade e preço. Quando o preço da obra é menor, a qualidade tende a ser inferior e o prazo a se prolongar. Quando o preço é maior, a qualidade da obra tende a se elevar e o prazo a se encurtar. A variação de um desses elementos implica variação nos demais.
O Regime Diferenciado de Contratação (RDC), quando originalmente instalado, trouxe modificação ao método de engajamento de privados para a consecução de obras públicas. E a intenção desse novo regime era, justamente, promover variações nos elementos do tripé referido acima, com vistas ao encurtamento de prazos e otimização de preço. Sabia-se, portanto, do risco que se corria em desfavorecer-se a qualidade dos empreendimentos.
Ainda assim, o RDC parecia fazer sentido no momento em que foi implantado. Afinal, ele passou a fazer parte do ordenamento brasileiro em cenário pré-copa do mundo e pré-olimpíadas. O país urgia por executar obras em tempo extremamente escasso e com recursos limitados.
Dessa maneira, ao inverter as fases da licitação e fazer prevalecer o menor preço, quando adotado este como critério de julgamento preferencial, permitia-se ao Administrador Público ganhar tempo no procedimento concorrencial. A celebração do contrato se dava de maneira mais ágil, pois o certame se tornava simplificado.
Mas restava um dilema: se, por um lado, ganhava-se tempo com a desburocratização da licitação e adjudicação dos contratos, duvidava-se da capacidade dos contratados de preservar a qualidade e atendimento de prazos. Afinal, ao se privilegiar o menor preço, o impacto nos demais elementos do tripé em que se baseia a construção civil seria inevitável.
E esse dilema provoca ainda mais debate quando se analisa a contratação em formato integrado (o contratado se responsabiliza pela confecção dos projetos básico e executivo, além da execução da obra), pois os riscos de desfavorecimento da qualidade tendem a se elevar. Isso porque a Administração Pública, para se valer de um menor preço, ao mesmo tempo em que se limita a apresentar a concepção do negócio (anteprojeto), acaba por perder o controle sobre a qualidade e demais nuances técnicas que deveriam fundar a execução da obra. E nessa modalidade nem sempre prevalece o menor custo do projeto em favor da Administração, haja vista que a transferência do risco para o particular implica o necessário aumento do preço de sua proposta.
Se o RDC fazia sentido para as demandas da copa do mundo e dos jogos olímpicos, não era certo que seu uso seria expandido para outros empreendimentos em contextos distintos. Foi, no entanto, o que passou a ocorrer. Primeiramente, em 2012, o RDC passou a ser aplicável às obras do Programa de Aceleração do Crescimento e, mais tarde, foi estendido para uma gama ainda maior de obras, pela lei 13.190/2015.
Embora seja louvável a tentativa de se desburocratizar a contratação pública, não se pode dizer, com segurança, que o RDC seria o instrumento mais adequado para fazê-lo de maneira indiscriminada. Por isso a crítica que se faz, hoje, à aplicação do RDC de forma ordinária e generalizada às contratações de obras públicas, sempre a conta gotas, enquanto tramitam propostas legislativas voltadas a uma alteração mais ampla e uniforme do regime de contratações públicas.
Parece óbvio, contudo, que a cena mundial de pandemia vivida hoje está muito longe do conceito de ordinariedade. E a pergunta que se faz, portanto, é se o RDC poderia ser, como foi posto pela Medina Provisória 961/2020, empregado como remédio para o desentrave e aceleração de contratações públicas nesses tempos de calamidade sistêmica. E a resposta: melhor tentar que restar inerte. O RDC, que era medida de pragmatismo antes dos eventos esportivos, ganha ainda mais apelo em tempo de a catástrofe sanitária.
Pode-se questionar se o RDC seria o remédio mais eficaz para esta época de exceção. Talvez não seja. A lei de 8.666/93, apesar de obsoleta e demandar uma urgente reforma legislativa, oferece meios que permitem catalisar contratações de emergência. É o caso da dispensa de licitação prevista no artigo 24, IV, da referida norma.
Seja como for, enquanto se privilegiarem as vidas em detrimento dos formalismos, seja qual for o remédio jurídico, ele será bem-vindo, contanto que administrado com responsabilidade e com fundamento científico. Neste caso, na ciência do Direito.